Por: David Guimarães
1. A compra dos jogos da Liga dos Campeões levou Marques Guedes, o Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, a afirmar que o futebol não deveria onerar o erário público. Esta retórica enquadra-se num escárnio preconceituoso que diaboliza o futebol, considerando-o uma droga nefasta que afasta a população dos problemas reais e relevantes da comunidade. Porque se equipara este fenómeno com a pornografia nas tabelas fiscais? Mas, vejamos o que tem a Rádio Televisão Portuguesa para oferecer a esse incensado povo telespectador. O serviço público de televisão despende quantias avultadas de dinheiro em séries e telenovelas de quinta categoria, festivais de música pimba, previsões astrológicas bacocas, devassadores sociais, comédia balofa e comentadores políticos presidiários. Afirmo sem hesitação nenhuma, que o futebol é o universo mais interessante e enriquecedor desta cultura de massas paupérrima e estupidificante. Isto que estou a dizer nem abona o futebol, que também é tratado com pouquíssima consideração. As figuras aparentemente cultas e ilustres que o comentam preferem baixar ao nível de um público (povo) que consideram ralé, julgando que parasitando esta modalidade, alcançam audiência junto da ignóbil gente. Não conseguem trazer os seus conhecimentos e cultura para este meio, nem pretendem difundi-lo às massas. Preferem travestir-se, cobrindo-se de pequenez, reflectindo supostamente aqueles que acham pequenos. Este é o ponto nevrálgico que escapa ao Ministro. O “desporto rei”, mesmo sendo servido como desporto “bobo da corte” tem uma qualidade muito superior a todos os outros conteúdos do “excelso” serviço público. Estes vultos poderosos ainda acham que o povo é uma entidade estanque, estagnada culturalmente e distópica. Para eles, a turbamulta é um órgão estranho que se olha com altivez, desprezo e desdém. Em suma, as pessoas “comem o que lhes põem no prato”, não são intemporalmente estúpidas, mas, com estas atitudes e visão, podem tornar-se infinitamente ignorantes, isto claro se continuarem a ser tratadas com um profundo desrespeito. Devemos perceber que a população vê maus conteúdos porque é o que tem para ver. Se a RTP proporcionar aos telespectadores programas de qualidade, a televisão não irá, certamente, ser desligada da corrente. Enquanto não percebermos isto, não percebemos as consequências da boçalidade nacional generalizada.
2. Deyverson e Miguel Rosa, atletas do Belenenses, foram impedidos de defrontar o Benfica este Sábado, no jogo da Luz, entre os dois conjuntos lisboetas. Este facto decorre de um acordo de “fauna marítima”, onde o “tubarão” (Benfica) devora o “sável” (Belenenses). Isto nunca devia acontecer, pois os tubarões nadam em águas salgadas e os sáveis habitam em rios. Mas a nossa sociedade é ávida de desonestidade e saliva por falta de verdade e desonra. O Benfica detém 30% do passe de Miguel Rosa e tem direito de preferência de compra sobre o jogador brasileiro Deyverson. Nenhum destes jogadores pertence ao Benfica, os atletas estão, na sua grande maioria, sob o controlo dos azuis do Restelo. Esta dupla de avançados vale 83% do pecúlio goleador do Belenenses, mas, mesmo assim, a SAD do clube decidiu não os utilizar. O esquema é simples de perceber, o Benfica convence (não conheço as contrapartidas) o Belenenses a não utilizar os jogadores, os do Restelo (seduzíveis) fazem pressão sobre o treinador (neste caso Lito Vidigal) para não os convocar e o técnico principal, cedendo ao condicionamento, não os põe a jogar. Isto não é um problema da lei, que neste caso concreto, é dúbia e não esclarecedora, permitindo assim a licitude de situações deste género. Se existisse uma alteração legislativa, tornando a situação inequívoca, iria estipular-se que, em casos semelhantes, os jogadores não poderiam jogar. Mas essa resolução também não faz sentido, visto que os jogadores devem e querem jogar. Na esmagadora maioria dos casos, os atletas não estão interessados em saber se são possuídos total ou parcialmente por determinado clube. Quando a bola está no terreno de jogo eles lutam por ela, como sempre fizeram e gostaram de fazer toda a vida. Neste enquadramento, teria de existir a necessária mudança de mentalidades e de acções. O Benfica não deveria seduzir o Belenenses, o Belenenses não deveria baquear perante o Benfica e consequentemente convencer o seu treinador a não utilizar os profissionais. Mesmo sendo o mais impoluto, o técnico principal deveria por os jogadores a jogar, para tentar quebrar esta corrente, inquinada desde a nascente e manchada de crude na sua foz. Como nos diz lucidamente o padre António Vieira no seu sermão: “já que não me querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes”.