1.
Na sequência da vitória do Futebol
Clube do Porto frente ao Athletic Bilbao por 2-1, o público afecto ao clube da
casa insurgiu-se inúmeras vezes com determinados acontecimentos em campo,
assobiando a equipa e primordialmente o seu treinador. Jackson Martinez,
capitão dos portuenses não apreciou a postura dos adeptos e afirmou:
“precisamos do apoio das bancadas, não de assobios”. Os espectadores têm
liberdade para fazer o que quiserem inegavelmente, podendo, se bem entenderem,
assobiar. No entanto Jackson também tem todo o direito em condenar esta atitude
do público. Na minha perspectiva tem razão. Assobiar a equipa é
contraproducente, apenas serve para enervar e desestabilizar os jogadores, o
que gera decisões no jogo muito precipitadas e imponderadas. Quem assobia não
demonstra qualquer cultura, porque não compreende que o insucesso, o fracasso,
ou uma má prestação, devem ser aceites com normalidade no futebol. Não podemos
olhar para o futebol inglês e para os seus adeptos com idolatria e depois agirmos
de forma contrária, caindo assim na incongruência pura.
2.
A forma como o Benfica se está a
comportar na Liga dos Campeões não se coaduna com os pergaminhos do clube. Uma
instituição com tal grandeza, até pode, em três jogos europeus, perder dois e
empatar um, pode também estar em último lugar do grupo devido a partidas muito
fracas. O que me parece inaceitável não é a qualidade apresentada, mas a não
reacção a essa péssima qualidade. O Benfica vê como normais estas prestações,
não reage discursivamente, não empreende uma renovada motivação e os jogadores
não adoptam a concentração competitiva necessária para esta grande competição.
Uma coisa é aceitar a derrota, outra coisa é não a tentar debelar. As águias
parecem obcecadas com a revalidação do título (desinvestindo
internacionalmente), mas julgo que esta prestação muito fraca na Champions irá abalar a confiança dos
jogadores, numa depressão que se irá reflectir no campeonato. Com este estado
de espírito, vaticino o último lugar do grupo nas competições europeias e a
perda do primeiro lugar por parte dos benfiquistas no campeonato.
3.
O Presidente do Sporting, Bruno de
Carvalho afirmou recentemente: “Nós representamos Portugal, outros representam
bairros ou províncias”. Estas afirmações irracionais aglutinando realidades,
infantilizam o futebol. O que o presidente leonino quer dizer é: “O meu clube é
muito bom e os vossos (Porto e Benfica) são uma porcaria”. Para desconstruir
esta “regurgitação pueril”, importa olhar para duas realidades distintas. No
mundo do futebol, quem melhor tem representado o país, na última década pelo
menos, têm sido o Porto e o Benfica, os azuis e brancos com títulos europeus e
o Benfica com duas finais recentes. O Sporting apenas conseguiu uma final neste
decénio, feito que também o Braga alcançou (mais recentemente até do que os
leões). Quanto a prestações futebolísticas, Bruno de Carvalho está errado.
Olhando agora para o prisma discursivo dois clubes alvos da farpa presidencial,
irei tentar descodificar onde radica esta postura arrogante. Quando
desconstruímos a forma de comunicar do Benfica, é impossível negar a tentativa
de colagem com a representação nacional. A retórica dos “6 milhões”, “clube
nacional”, “maior clube do mundo”, a transformação das suas principais figurais
em embaixadores nacionais, onde a discussão da trasladação de Eusébio para o
panteão nacional é o caso mais recente, atestam esta ligação umbilical entre
clube/nação. Portanto a catalogação de “clube de bairro” para o Benfica é
aberrante, tanto desportiva como retoricamente. A “boca” de que o Porto
representa uma província não afecta os portistas. O sentimento de afectividade
entre clube/cidade/região norte é e será sempre uma realidade que marcará
indelevelmente os dragões. Embora, é preciso também dizê-lo, o sucesso do
Futebol Clube do Porto nesta época globalizada, originou um discurso
regionalista menos acentuado. Não que essa visão repudiadora da macrocefalia da
capital se tenha esbatido, mas ao nível retórico descalcificou-se, porque não é
tão familiar ao cada vez maior número de adeptos do Porto que vivem fora do
país e da cidade. O Sporting, com este presidente tem melhorado muito
desportivamente, mas atraiçoou a sua identidade. Bruno de Carvalho comparou
Porto e Benfica a duas “nádegas” que libertam “ventos malcheirosos”. O Sporting
é um clube de nascimento polido e elitista que foi conquistando, com os seus
sucessos desportivos, apoiantes nas camadas mais baixas. Este presidente está
deslocado da identidade do seu clube. Quer renegar as suas origens socialmente
altas e adopta, por isso, uma linguagem rica em escatologia. Desaproveita o seu
património de educação e elegante convivência desportiva, tentando assim atrair
o “povo sportinguista”, com conceitos básicos e postura rude. O Sporting era o
tal “clube diferente”, em que os seus adeptos se distinguiam pela nobreza de
acção e elevado modo de estar no desporto. Agora o clube melhorou bastante
desportivamente, mas a sua identidade está a ser esquecida. O Sporting soube
unir bem estes dois universos, aristocrata/popular. Bruno de Carvalho
desrespeita ambos.